


Os posts iam saindo, com as incidências da aventura, até que a pior notícia foi difundida por um
atento seguidor: ATENÇÃO QUE ELES
ULTRAPASSARAM A BARREIRA DE TEMPO NUM POSTO DE CONTROLO”. Inicialmente
pensei ser algum engano, mas depois veio a confirmação. Rapidamente o Diogo
Tavares passou a informação que estavam todos bem e que iriam explicar o que
tinha acontecido.
É essa explicação que fica de seguida, que aconselho a que leiam num só
fôlego e que consigam entrar naquele maravilhoso, mas exigente mundo da
Insana Aventura. Obrigado aos três por nos proporcionarem tão grande
testemunho!
“24 Agosto, 5 da tarde - Chamonix
Ao rubro aquela saída de 300 atletas, 110 equipas de aventureiros
arrancam para a mais épica das provas de montanha da Europa. Le Petit Trote à
Leon.
O primeiro quilometro é arrepiante. Em chuva, a rua estava cheia de
gente a aplaudir, os badalos, o Promontory em pano de fundo. Incrível.
Esta prova não foi de trail running, foi uma aventura de alta-montanha,
de resistência física, mental e espírito de equipa.
Consistentes desde o início, sem pressas. Segundo o nosso plano se
mantivéssemos o ritmo entre os 2 e os 3km/h teríamos margem para dormir pelo
menos 3 horas por noite. Esse era o plano, depois veio a realidade.
O perfil do PTL este ano teve um plus considerável no nível de
dificuldade dos tracks e no número de colos. Um conceito híbrido entre o
montanhismo e o alpinismo.
As secções de altitude são sempre extremamente técnicas o que por vezes
levava-nos a ritmos a baixo dos 1km/h - Bem-vindos aos Alpes, meus caros!
Ascensões de 1500m e descendentes de 2000m sempre em curso até aos
3000m de altitude juntam-se à festa.
Refuge de Presset, 68km com foi a primeira vez que fechamos os olhos
durante pouco mais de 1h e seguimos viagem com energia reforçada pela massa
carbonara. Salve a boa onda da Carole Pirole.
Os Alpes tem uma escala que não é a nossa. É esmagador. Maravilhoso mundo
selvagem, inóspito, sem qualquer vestígio do homem. De muitas coisas que o PTL
nos deu foi estar ali. Só o Aires, o Rocha e o Diogo, sozinhos, com os Alpes
foi o maior dos privilégios.
A viagem prosseguiu até ao primeiro ponto de vida, Hospice Saint-Bernard
aos 102km: uma perna de coelho, 2 horas de sono e roupa nova. Haja alegria!!
A consistência na passada manteve-se firme. As subidas e descidas
técnicas começaram a aumentar proporcionalmente à cumplicidade que se criava
com as equipas com que nos cruzámos. O experiente Dima dos EUA, o Erik da
Bélgica, o bravo Sidney do Brasil, a canadiana Harriet os espanhóis boa onda, a
turma da Indonésia que afinal até temos amigos em comum, enfim, estávamos horas
nisto.
1:30am, dia 27 Agosto e, depois de uma longa jornada de lua semi cheia,
chegamos ao Refuge Deffeyes. Levávamos 133km nas pernas, muito cansaço
acumulado e uma grande preocupação: a barreira horária de 7 horas para fazer
17km, atravessar o Col Colmet (o mais técnico até agora), quase a picar os
3000m e descer a pique 1500m pela tenebrosa cascalheira glaciar até Morgex,
Itália.
Engolimos a melhor sopa das nossas vidas e avançamos a terceira noite
na companhia de 2 equipas francesas. O ritmo era alto e quanto mais subíamos
mais difícil era a progressão. Muita pedra solta, as marcações mal se viam,
seguia-mos o GPS às cegas e é aqui que sentimos os primeiros sinais. O passo
deixa de ser seguro, os tropeções aumentam e eu, no topo da lista. O cansaço
acumulado com a falta de sono apodera-se das pernas e deixam de responder às
ordens do cérebro. É aqui que entra a equipa. Nestas circunstâncias um pé em
falso pode significar a morte. Aqui não há metáforas. A entrada para este Col
segue através de um desfiladeiro de pedra grande e solta. Se alguém cai aqui,
desaparece no escuro. É demasiado arriscado continuar e a decisão foi unânime:
precisamos de 2 horas de repouso. A quase 2900m de altitude os padrões de
conforto não podem ser muito altos, logo as medidas foram tomadas rapidamente.
Shelter para fora, vestir toda a roupa quente que está na mochila e por em
prática a melhor técnica de conchinha tão gozada nos dias anteriores. Dentro do
shelter só me lembro do Aires e o Rocha comentarem qualquer coisa acerca do
céu. Espreitei por um segundo e em menos de nada adormeci profundamente. O céu
estava incrível.
3 varas verdes a tremer de frio. Tinham passado 2 horas e já tínhamos
luz do dia. Shelter encharcado por dentro e por fora e haviam mais calhaus por
baixo do nosso corpo do que pregos na cama de um faquir. Mas a noite tinha
passado e o corpo já respondia. Eu precisei de alguns segundos para o sangue
chegar ao cérebro. Recompostos, alcançamos o Col em menos de 10m.
O que se seguiu foram 14km a descer 2000m, agora com o passo seguro,
confiantes e agora, sem pressas. A decisão da noite passada iria ditar o fim da
nossa prestação. Já o sabíamos desde o momento que tirávamos o shelter da
mochila. Pelas nossas contas (e mais tarde confirmou-se), iria-mos chegar 3
horas depois da barreira de tempo ao controlo em Morgex.
Durante as 5 horas seguintes até Morgex dei por fazermos uma fila com
cerca de 15/20m de distância entre uns dos outros. Creio que estava cada um à
sua maneira a lidar com a retirada inevitável do PTL. Do monstro maravilhoso
que é o PTL.
Mas de uma coisa estou certo. Seja qual for a purga de cada um de nós
optou, a decisão que se tomou foi em equipa e a mais correcta.
O Mont Blanc irá continuar por aqui e um dia destes havemos de
regressar para dobrar a outra metade.
Por fim gostávamos do fundo do coração de agradecer a todos os amigos
que nos acompanharam nesta aventura, os triliões de likes, as palavras de
incentivo e, esperemos nós, de muito entusiasmo feminino. Não será todos os
dias que nos verão de licras justas wink emoticon
Graças a vocês a Insana Aventura deixou de ser três tipos a querer
fazer uma prova difícil com muitos quilômetros. A Insana Aventura passou a ser
um conceito mais amplo, uma forma de viver a vida no meio da natureza na
procura constante de novos desafios pondo à prova os nossos limites.
Até breve!!!”